Thalyta Andrade
Ter um plano de saúde hoje em dia não é garantia de atendimento rápido e de qualidade. Isso foi o que relataram leitores que procuraram o Dourados News para reclamar do atendimento em clínicas e hospitais particulares de Dourados, onde em algumas situações, pacientes que se esforçam em pagar uma mensalidade acabam não vendo muita diferença nos problemas de conhecimento comum que estão relacionados ao SUS (Sistema Único de Saúde).
A partir de hoje, daremos início a uma série de reportagens que abordam uma visão geral sobre o assunto.
Na primeira matéria, o relato de três pacientes exemplifica os problemas vivenciados por muitos. Demora para conseguir marcar consultas e exames, atendimento de médicos que ‘deixa a desejar’, entre outros, estão entre as principais queixas para quem busca tratamento na rede privada.
Espera por ‘boa vontade’
Analista de sistemas, Joab Cavalcante, 32, tem plano de saúde da Cassems (Caixa de Assistência aos Servidores do Estado de Mato Grosso do Sul) há 10 anos. Sua filha pequena e a esposa também usufruem do convênio. Segundo ele, a longa espera por uma consulta médica na rede privada é um sofrimento que começa no conseguir marcar, e continua na espera pelo atendimento que pode demorar horas e horas. Ele conta que recentemente, a esposa passou por uma espera de cinco horas para uma simples consulta.
“Em uma consulta marcada com um cirurgião de pescoço e cabeça, o horário combinado para atendimento no ambulatório do Hospital Evangélico seria às 13h. O médico ligou próximo das 15h para informar que chegaria às 17h, e no fim ele chegou às 18h. O próprio serviço de atendimento e recepção relatou ser comum a longa espera. Na fila havia paciente com criança pequena e idosos, e também pessoas de outras cidades aguardando pela consulta. O atraso ocasionou até em uma transferência no atendimento, pois como o ambulatório tem horário para fechar, as consultas foram transferidas para o próprio HE. Os pacientes foram informados ainda que o médico atende todos os pacientes do consultório antes de atender às consultas marcadas”, disse Cavalcante.
Indignado, o analista de sistemas diz que apesar de entender que os médicos tem agenda cheia, os pacientes também têm seus compromissos, e não podem passar maior parte do dia sem saber sequer se serão atendidos, até porque há um horário marcado e tolerância quanto a possíveis atrasos, mas esperar por mais de cinco horas não está dentro disso, principalmente ao saber que esse desrespeito já é comum.
"Enquanto não reclamarmos tenho certeza que não mudará nada, queremos que sejam coerentes com os horários, se só podem atender depois das 17h, que marquem para esse horário então e não nos façam esperar por tantas horas e deixar nossos compromissos de lado. Houve até um idoso que passou mal durante o longo tempo de espera", relatou.
Marcar consulta é um desafio, e isso não garante nada
O universitário Gilberto Silva Nascimento, 26, também é usuário da Cassems, assim como toda a sua família. Natural do município de Vicentina, mas morador de Dourados, ele também relatou ao Dourados News os problemas que envolvem o ‘usufruir’ do convênio.
“Hoje em dia está quase igual ao SUS, a demora para conseguir marcar uma simples consulta existe e pode ser de meses. Estava desde novembro querendo uma consulta com psicólogo, e na relação que me passaram dos médicos credenciados em Dourados, liguei pra todos e nenhum tinha vaga no momento. Ficaram de ligar e estou esperando até hoje. Só consegui ser atendido quando uma nova psicóloga entrou para o convênio e tive uma vaga com ela. Também tive problemas com exames, uma demora de semanas para conseguir fazer”.
Assim como Cavalcanti, o estudante também reclamou de horários marcados que não são cumpridos pelos médicos, o que seria um verdadeiro jogo de paciência. Ele relata um caso rotineiro que acontece com a mãe quando a procura é por atendimento de ginecologia, por exemplo.
“Minha mãe demora mais de um mês pra conseguir vaga e tem que madrugar no ambulatório para pegar senha, porque caso a médica chegue e não esteja com todos os prontuários na mesa dela, quem chegar depois já não é atendido. Ou então ela atende reclamando dizendo que as pessoas têm que chegar com antecedência, o que é absurdo porque ela vive atrasada e não existe horário, apenas ordem de chegada”.
“Merecemos atendimento adequado não porque pagamos, mas porque saúde está acima de tudo”
A jornalista Julieta Romeiro, 25, é usuária da Unimed há mais de 10 anos. Moradora de Ponta Porã, ela e a família buscam atendimento em Dourados rotineiramente, assim como muitos pacientes da região. A espera por conseguir marcar consulta, e as queixas sobre o atendimento também são parte da vida dela. “Normalmente demora cerca de um mês ou mais. Se você tiver sorte que alguém desmarque ou algo parecido é possível conseguir antes. Eu já precisei consultar outro médico, pois não poderia esperar mais de um mês. Acho um absurdo, pois Unimed não é nada barato”.
Na região, a situação é ainda pior que em Dourados, conforme a jornalista. “Os médicos daqui parecem que estão te fazendo um favor. Já cheguei a tomar medicamento errado mesmo dizendo que não poderia tomar. Meu pai já consultou com um médico que mal olhou no seu rosto e lhe receitou remédios, jogamos a receita no lixo. Minha mãe precisou levar pontos na cabeça devido a uma queda e a médica não fez a limpeza adequada, os pontos ficaram largados e frouxos, não cicatrizou direito. Não tiraram nem um raio-x da cabeça. São profissionais formados para salvar vidas, mas parecem que não dão a mínima. Merecemos atendimento adequado não só porque pagamos, isso é o de menos, mas nossa saúde está acima de tudo. Merecemos respeito”.
'Reféns do sistema'
Seja pela burocracia que isso envolve e por argumentos como a falta de tempo, a realidade de atendimento que deixa a desejar na rede privada de saúde, no entanto, não é oficializada na maioria das vezes. Os próprios entrevistados do Dourados News admitem o cenário.
“Não cheguei a fazer queixa, mas acho que é importante para os profissionais levarem um choque”, disse Julieta. “Nunca fiz queixa em nenhum órgão nem no próprio hospital ou clínica, a correria faz esquecer esse tipo de coisa e só lembramos quando voltamos a precisar novamente, infelizmente”, admitiu Nascimento.
Apesar dos pesares, o receio em depender do SUS é uma unanimidade. “Infelizmente depender dos órgãos públicos para sua sobrevivência não é fácil, por mais que meu plano não esteja passando por um bom andamento neste momento ainda prefiro ele. Sou asmático, tenho crises e preciso de atendimento com urgência rotineiramente. E penso que antes esperar até dois meses por um exame ao invés de um ano no SUS ou nem conseguir fazer”, disse Nascimento.
“Para mim representa um pouco de segurança e menos gastos. O valor pago mensalmente é muito pequeno perto de gastos com exames, consultas. Uma consulta hoje gira em torno de R$ 300 ou mais e a mensalidade do plano não chega a isso. Em caso de hospitalização o gasto chega a ser zero em um hospital particular. Infelizmente temos vários problemas, mas ainda assim, para quem tem condições, é melhor ter um plano de saúde”, avaliou Julieta.
“Já precisei socorrer pessoas para o SUS e é trágico. O plano não está as mil maravilhas, mas ainda assim é importante. Mas, isso não quer dizer que a gente não possa reclamar. Já procurei setores competentes das instituições privadas, que existem, mas não dão a atenção merecida. Preferem justificar a apontar a solução, e tudo continua a mesma coisa. Às vezes parece que está piorando. Com relação aos profissionais não tive problemas, apesar que já ouvi reclamações desse tipo de colegas. Mas, acredito que a maioria é gestão das clínicas ou hospitais”, finalizou Cavalcanti.